O homem anúncio: reclame ambulante. Simulacro de gente.
Só um homem, um homem só na multidão e suas circunstancias.
Só e somente na multidão ele pode anunciar.
Tímido, ele observa os outros que nem o percebem.
Lá vem triste o triste homem em sua indumentária de madeira,
Armadura ridícula, suspensa dos ombros.
As marcas no rosto, as dores da vida.
Quero morrer simples, só morrer de dor:
morrer deitado com muita honra e os parentes por perto.
Eu, só, só eu e minha língua. Quando eu era criança meu pai me dizia: filho: a vida‚ uma merda.
Não se pode dizer que tenha amigos, uns poucos gatos pingados
e assim mesmo escasseando com o tempo, a ranzinzisse chegando
com os janeiros às costas e já meio entrado em anos.
Amigos tem, mas não íntimos, que o cidadão tem direito as suas reservas: com privacidade e segredo.
Vive só de lembranças, os olhos no passado distante de sua antiga mocidade:
-sofre duas vezes. O corpo dói, as varizes incomodam,
a dor do expurgo ou a gota serena.. O sofrimento ‚ que aperfeiçoa o homem.
O trem de Jandira chega tarde, como sempre atopetado de gente.
As três, já está de pé, que o sono‚ pouco.
De almoço, um pingado e pão com manteiga. Às vezes a sopa do albergue da LBV.
No meio da multidão, caminhando a esmo, os passos trôpegos.
Mesmo só, diria que mal acompanhado: fudido e mal pago.
Faça sol ou faça chuva, lá está ele, indefectível, insólito como mosca na sopa..
Está em todo lugar, por dever de oficio, com sua indumentária ridícula.
Mas não está em lugar nenhum, o pensamento longe:
Lá em Pirituba, onde uma velha e seu crochê interminável esperam por ele, o velho.
Homem sem face, retrato mudo de uma existência despercebida.
Como um filme virgem, vazio, espetro, como mula sem cabeça.
A vida passou, passando de lugar para outro, sem destino certo.
Pela vida, passou em brancas nuvens, no dizer do poeta.
Vai, onde uma roda de camelô: o homem da cobra
e suas poções milagrosas, o remédio infalível pra calos.
Passeia pela vida sua indumentária double-face:
Duas placas incômodas, os dizeres monótonos:
"Vende-se ouro, paga-se bem: Rua Direita número 100."
Amigos: não tem. Se atrasar não volta.
Ou dorme no albergue ou num vão de porta, num catre,
Embaixo da escada, onde faz moradia. De seu, trastes velhos, bugigangas.
Na volta do dia passeia feliz: com sorte um pingado
ou encontra uma sopa, na Casa André Luiz.
- Tudo passa na vida. Passa a vida passando que a vida é passar.
"na vida tudo é passageiro, de menos o cobrador e o motorneiro."
Um belo dia causa espécie, não aparece.
Com certeza o derrame, o braço esquecido.
Do serviço ele esquece que fica sem velho.
Mesmo só, no meio da multidão, boiada, caminhando a esmo: diria que bem acompanhado
Os problemas: nenhum, velhos sempre haverão a espera da vaga.
A velha coitada nem fica sabendo.
Outro dia a vizinha que vem com a notícia:
"velho indigente encontrado morto é recolhido ao nosocômio do estado,
Instituto médico legal.
Um João ninguém, sem eira nem beira: nunca teve inimigo nunca teve opinião.
Idade não tem, nem sabe ao certo, nas marcas do rosto, as dores da vida: Como única certeza, apenas a morte que ronda por perto.
Sem qualquer aviso prévio, qualquer dia ela vem e acabou se o brinquedo.
Como rês desgarrada: só na multidão, boiada, caminhando a esmo.
Homem comum, incomunicável faz tempo. Não tem nada a dizer, nem nunca teve opinião. Incomum, sua marca registrada a vulgaridade: um homem ao pé da letra, só, um homem sozinho, com seus botões. Da vida, só colecionou amarguras.