Comemos feito animais domésticos, os restos, ruidosamente, aos nacos, engolidos mecanicamente e automaticos sem o nenhum respeito pela hora sagrada, sem oração de precedimento, sem rezas, como uzdo antigamente nas casas de familia, a hora de comer um acontecimento impolgante cheio de significado. Um ato solene, cheio de circunstancias do momento de encontro e respeito: um ato de vida. Comia-se? ... não! muito mais que isso, um momento sublime de repasto do espírito, de contrição e respeito pela vida. Fazia-se a refeição com respeito ao ato solene de comer e gostar do que estava se fazendo, com rezas e agradecimentos. Lembro meu velho pai, imperial e majestoso na cabeceira da mesa: levava horas, naquele prazer dispendioso, macetando, espremendo e compondo aquilo do gosto, aos pequenos goles e sorvos, uma demora planejada.
E do tal de rodizio, que dizer?
Só impressão de fartura. No mais, carnes recompostas, ajeitadas, plastificadas. Preparadas, amolecidas por química, transformadas, transmutadas de segunda pra primeira. Aqueles horríveis coraçõezinhos enfileirados, os cadaveres sempre ofertados, sempre recusados e retornados. Tudo, aproveitado até o sumo, empurrados goela abaixo, impostos pelos garçons solícitos. Aquela coisa indecifravel, hamburgueres de hamburgueres velhos, refeitos, em escalas sucessivas de reaproveitamento: vegetal e animal de procedencia duvidosa de impossível reconhecimento, causo de temperos mistificadores,imitados do natural pela quimica de sabores. Molhos e liquidos para a decomposição das partes mais duras e para encobrir a velhice, as marcas do tempo inexoravel, escuros e esverdiados, convivendo com moscas e bacterias. Carnes anciãs, malignas. O cheiro forte do conservante. Carnes mumificadas, pelo formol, cores abstratas, gostos exóticos, irreconheciveis, feitos. O arroz duro, para parecer bonito e solto, desagregado, ou então parabolizado, maléfico. Precosido, emendados os pedaços menores. Feijão de vespera da vespera, tradicionalíssimo. As porções estranhas de polenta, vagens velhas, tomates acidificados, cansados de esperar.
"seja como Deus quizer : cada um arrisca a vida como entende e quer. Tem gente que tem um jeito estranho de passar emoções fortes na vida".