quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Receita pra ficar invisível. De São Cipriano


Principiou de gostar de contar historias, o povo davam corda: foi daí que apanhou gosto pelo oficio de contador de causos. Mas não eram histórias simples, causos de assombração, senão que histórias maledicentes, cheias duma malícia caipira de quem fala grosso, pausado, encobrindo a vergonha. Um homem miúdo, inexpressivo, duma simplidade que dá gosto, mas reconhecido um homem sincero, sem nenhum rique foque. Falava caçoando da sua pessoa dele, de sua simplidade, mas não gostava de pouco causo nem que duvidassem de sua palavra verdadeira: engraçado sem o querer dele de ser, jeito dele. Manso, falava engraçado, meio rouco, pra dar um ar de macheza, firme, uma arrogância calculada pra produzir efeito de confiança, mas não pra se fazer de si engraçado: -De qualquer jeito que vim, eu traço. Comigo, nem tem tico inchado. Falo o português claro: num tem mais nem meio mais: falei, ta falado, no pau da peroba. Carregavam suas vidas miúdas, como pesados fardos às costas. Essa, a história do fazendeirinho Quinquinca, o vurgo dele do nome correto de Joaquim Serafim dos Santos, suas artes e suas maldades. Diziam que tinha outro dentro dele: tinha o Diabo no corpo. Era um pândego, mas mau, tinha veneno nos olhos da cara, mal de nascença. Tudo, pra fazer pouco causo da sua pessoa dele, pondo em duvida a macheza, denunciando fraquezas de macho nos jogos de puia. -Podia tanto chover! e o tanto que eu ia gostar? Porque foram brigar num sei: eles era bem dizer parente. Fato é que brigaram, num pararam mais até hoje. Não foi uma nem duas. Briga de tirar sangue, de vazar a barriga e por pra fora as barrigadas. Brigavam até alta madrugada se não tivesse um cristão por perto pra apartar. A cara deles, um inventário de maldades. Garraram de imaginar que podiam fazer trampolinagem a torto e a direito, caíram na esparrela, caíram com a boca na botija. Folhetim de baixa literatura, o escritor eventual, bissexto. Quando instado a dizer qualquer coisa, não se fazia de rogado, rompava, rastando malas, caçava modos quando pego de calças curtas, saia com uma frase de desdém: -Num há como a situação do indivíduo, nem como as grandezas macha, muito embora que fosse perseguido pela policia. Uma afirmação óbvia, sem nexo certo, só pra escapulir da situação. -Não tem ensinamento nem conselhos: só de remédio. Serve pra mostrar a vidinha comum do povinho da roça, a falta de semgracesa das cidades pequenas, reduzidas a mesmice de sempre do diário da vida. Não é livro de religião, mas tem receitas diversas. Reza pra tirar deslumbramento. Receita pra ficar invisível. Cantiga de amor sentido. Causos de assombração e de morte estranha. Tem trovas de safadeza. Tem caçadas e jogos de puia. Tem crime perfeito. Tem o mistério do encoberto. Simplidades