quinta-feira, 21 de setembro de 2017

"Vende-se ouro, paga-se bem: Rua Direita número 100.


Homem sem face, retrato mudo de uma existência despercebida. Como um filme virgem, vazio, espetro, como mula sem cabeça. A vida passou, passando de lugar para outro, sem destino certo. Pela vida, passou em brancas nuvens, no dizer do poeta. Vai, onde uma roda de camelô: o homem da cobra e suas poções milagrosas, o remédio infalível pra calos. Passeia pela vida sua indumentária double-face: Duas placas incômodas, os dizeres monótonos: "Vende-se ouro, paga-se bem: Rua Direita número 100." Amigos: não tem. Se atrasar não volta. Ou dorme no albergue ou num vão de porta, num catre, Embaixo da escada, onde faz moradia. De seu, trastes velhos, bugigangas. Na volta do dia passeia feliz: com sorte um pingado ou encontra uma sopa, na Casa André‚ Luiz. - Tudo passa na vida. Passa a vida passando que a vida é passar. "na vida tudo é passageiro, de menos o cobrador e o motorneiro." Um belo dia causa espécie, não aparece. Com certeza o derrame, o braço esquecido. Do serviço ele esquece que fica sem velho. Os problemas: nenhum, velhos sempre haverão a espera da vaga. A velha coitada nem fica sabendo. Outro dia a vizinha que vem com a notícia: "velho indigente encontrado morto é recolhido ao nosocômio do estado, Instituto médico legal. Um João ninguém, sem eira nem beira: nunca teve inimigo nunca teve opinião. Idade não tem, nem sabe ao certo, nas marcas do rosto, as dores da vida: Como única certeza, apenas a morte que ronda por perto. Sem qualquer aviso prévio, qualquer dia ela vem e acabou se o brinquedo. Como rês desgarrada: só na multidão, boiada, caminhando a esmo. Homem comum, incomunicável faz tempo. Não tem nada a dizer, nem nunca teve opinião. Incomum, sua marca registrada a vulgaridade: um homem ao pé da letra, só, um homem sozinho, com seus botões. Da vida, só colecionou amarguras.